PREFÁCIO
Conheci a prima Ana Luiza ainda adolescente e depois, apesar de vivermos não tão distantes, nunca mais nos vimos. A semente do
nosso reencontro foi plantada com a divulgação de sua festejada premiação. Minha filha Tétis, sabendo do meu interesse pela
genealogia da família, deu-me a notícia sobre uma Burlamaqui - Ana Luiza Burlamaqui da Penha, (Xenôa), premiada em um concurso
literário. Os contatos por meio eletrônico acordaram, a partir daí, as lembranças familiares, até o reencontro físico que se deu em
Mossoró.
Ao redigir este texto, não poderia deixar de fazer, até como vício de genealogista, uma ligeira digressão ditada pela convicção de
que ponderável parte de nossos gostos e habilidades, estão inscritos nos genes.
Os Burlamaquis de Xenôa são originários de Lucca, província italiana da região da Toscana. Comerciantes uns, banqueiros outros,
políticos vários. Tiveram fama de Cruzados e Templários. Talvez essa última situação os tenha levado a simpatizantes da Reforma, o
que lhes acarretará perseguição e o apodo de hereges.A partir de então dispersam-se pelo mundo.
A gens chega ao Nordeste com o militar Carlos César Burlamaqui, que embora nascido em Portugal, é filho de pai italiano. Veio
governar o Piauí. Dos seus rins sairá, em sucessão, uma vasta gama de políticos, jornalistas e poetas, com atuação principalmente
nos estados do Ceará, Pernambuco, Pará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte. Poucos permanecem no Piauí.
A veia literária e artística e a sensibilidade poética acompanham a linhagem, como exemplifico a seguir. No Piauí destaca-se a
poetisa Maria Nerina Castelo Branco, professora da Universidade Federal do Piauí e membro da Academia Piauiense de Letras, neta de
Nerina Burlamaqui, com quem em certa época troquei algumas informações sobre a família. Junto a uma amável missiva, seu trabalho
poético - Além do Silêncio. Dele colho uma pequena amostra de sua sensibilidade:
"Céleres os dias já passados
Contam estórias do sem fim…
Longe a esperança
Teima e inconseqüente
Bate a tecla desgastada
Das rejeições
De todos os amores destruídos!"
De igual origem registre-se o poeta e filósofo Antonio Cícero, irmão da cantora e compositora Marina Lima, ambos filhos de
Edwaldo Correia Lima e de Amélia Burlamaqui, parceiros nos sucessos musicais Fullgás e Pra Começar, poemas musicados. O neto de
Antônio Burlamaqui dos Santos Cruz, porem, é o representante maior dessa tendência na família. Chama-se Vinicius de Morais,
diplomata, boêmio e sobretudo poeta.Vinicius parece ter seguido a risca a recomendação de Charles Baudelaire:
"É preciso estar sempre embriagado. Eis aí tudo: é a única questão.
……………………………………………………………………………………………………………
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos."
Não é sem razão, que acredito que a inspiração premiada de Xenôa, recebe primeiro, a montante, na sua origem genética, através
de Tibério César Conrado Burlamaqui, celebrado poeta mossoroense, a influência da sensibilidade da alma italiana, amalgamada ao
cantar dorido do brasileiro, tão mesclado do sangue índio e negro.
Tibério, meu avô paterno e dela materno, por décadas fez a crônica rimada da cidade de Mossoró através do seu Rimando,
publicado em O Mossoroensse, alem de ter dispersado verdadeiras pérolas poéticas, ainda não reunidas. Sob o pseudônimo de
Mauricio D’Herval cantou o amor com a simplicidade e o lirismo da época. É o patrono da cadeira 15 da Academia Mossoroense de
Letras e eu, numa graça imerecida, seu ocupante.
A paixão que caracterizou a vida e a obra de Vinicius, o amor que permeia os versos de Tibério, de Nerina, de Antonio Cicero e de
outros da família, tem também guarida nos desvãos genéticos de Xenôa. Em Das Apresentações, do começo ao fim desnuda-se para
o leitor, através do universo feminino da pedra de anil, das tesouras, das cebolas e tomates, das pulseiras e blusas,das anáguas
brancas, da fragilidade protegida por um transparente véu de bailarina, tudo interligado por essa universal angustia do encontro e do
desencontro.
Embora nesse universo haja limites de compreensão para o meu coração de homem, fascinou-me compartilhar empaticamente dos
desejos, das paixões e compaixões vertidas pela autora. Não seria esse o verdadeiro objetivo da leitura?Assim, enternece-me a
figura do fio de cabelo branco como elemento da tessitura do tempo; acende-me as mãos orvalhadas escorregando pela cintura fina,
descendo pelo umbigo, comove-me a referência a Maria Cachacinha, quando a poetisa imagina compassiva, seus últimos gestos,
arrancando-a do mais profundo dos anonimatos e da exclusão, devolvendo-lhe ao final, poeticamente, o significado humano que lhe
fora roubado.
Esse desnudamento sempre ofertado ao público pelo poeta, foi feito por Ana Luiza, com arte e sentimento, nos permitindo
compartilhar de sua alma, neste seu primeiro livro, firmando-se como poetisa e poetisa com pedigree. Nela não vi a tristeza
apregoada na afirmação de Poe de que não há poetas felizes, mesmo quando ela diz que… "sempre apressada nunca tive tempo de
ser feliz"…, antes, senti a vida manifestando-se através de uma … "trilha musical que começa lá pelos becos do centro"… que
nos conduz como fio de Ariadne pelo inicio, meio e fim da obra, mas que o seu talento deixa antever o ecoar continuado dessa
melodia.
Marcos Antonio Filgueira
.





