Saudacao Ao Prof Vingt Un Rosado Xxx Noite Da Cultura 23 09 2004

Que minha primeira palavra seja de congratulação aos meus irmãos que fazem esta Augusta e Respeitável Loja pela organização desta noite da cultura, tradicionalmente realizada de modo a coincidir com a passagem de mais um ano de vida do decano da cultura mosso-roense, professor Vingt-un Rosado.
É ambiente dos mais próprios para noite tão importante que prenuncia já os festejos da data magna da cidade, pois do alto destas colunas observa-nos o espírito de gerações de homens íntegros que desde tempos imemoriais, se identificaram com a luta pela igualdade, a fraternidade entre os homens e a liberdade, que Mossoró adotou como marca de seu caráter.
Em segundo lugar devo dizer que me foi sumamente gratifi-cante haver sido convidado para em nome desta Loja proferir a sauda-ção, já tradicional ao querido professor Vingt-un Rosado, mas confes-so a dificuldade que encontro nesta preleção, para adequar o muito que por dever de justiça teria que dissertar sobre o aniversariante, ao tempo possível nesta sessão. Sorte minha que outros já o fizeram de forma bem mais meritória de conformidade com o merecimento do homenageado.

Minhas senhoras, meus senhores,

Recebemos entre nós, neste magnífico templo um homem vi-vido, com uma história prodigiosa nos seus 84 anos, que tivemos, todos nós, desta geração, a honra de conhecer. Convidado a fazer esta oração, vi-me de repente buscando na memória o momento em que primeiro o encontrei. Não foi difícil rememorar pelo inusitado daquele aperto de mão entre o Presidente do IBS, no ato inaugural do Hospital dos Salineiros (Francisco Menescal), e um garoto de quinze anos. Descalço, sem camisa, havia sido atraído para a cerimônia junto com mais alguns amigos, por mera brincadeira, para ver quem pegaria pri-meiro as lâmpadas que os fotógrafos jogavam fora após utilizadas no providencial registro daquele momento. Coisa de menino pobre para quem aquele objeto, jogado ao lixo, talvez incorporasse um valor que não tínhamos no nosso dia a dia. Não lembro se consegui pegar uma das lâmpada, mas nunca esqueci aquele aperto de mão, que depois compreendi como uma de suas características marcantes, com que trata até hoje indistintamente a todos. Esse gesto de vetustas raízes orientais que significa compromisso, aliança, formalidade, para mim teve naquele instante o sabor do respeito pelo humano, pela dignidade indissociável de nossa essência sejamos ricos ou pobres, crianças ou adultos.
Depois daquele encontro, ao longo do tempo, muito vim a sa-ber sobre o professor Vintg-un Rosado. Indiretamente, através das suas realizações, Bibliotecas, Museus, Academias, Coleção Mossoro-ense, depois, mais de perto na nossa querida ESAM.
Naquela época em minha casa, três livros apenas: A Origem das Espécies de Charles Darwin, numa edição bastante antiga, um livro espirita - Depois da Morte de Leon Denis e Drama de uma Época, de Pedro Leopoldo. Através desse último, vim a conhecer a Coleção Mossoroense, que na presente noite ultrapassa os 4000 títulos e que tive a honra de ser o seu editor em um curto e crucial momento da vida do homenageado. Idealizada e mantida pelo acendrado amor do seu editor, por si só bastaria como realização para enobrecer uma existência. Basta ver a vastíssima contribuição cultural dessa verda-deira enciclopédia sertaneja que nos seus milhares de títulos cobre os mais variados assuntos, da Genética à História, da Geologia à Genea-logia, da ciência a poesia, não se podendo aquilatar até onde vai a sua influência na formação das mentalidades e das vocações. Jamais será suficientemente enaltecida considerando que é obra de um só homem, e se desenvolveu contra a corrente da indiferença pelas coisas da cul-tura que não rendem votos nem lucros imediatos. “ O livro caindo n’alma, é gérmen que faz a palma, é chuva que faz o mar” como can-tou Castro Alves. Dona América sugeriu que este verso ficasse como legenda, dentre outras, na Biblioteca Municipal, no velho Ipiranga. Biblioteca que foi um dos sonho de Vingt-un que Dix-sept realizou aos primeiros dias de sua administração como prefeito da cidade. Vi-riam outras por sua iniciativa, instaladas em locais onde não é normal encontra-las: no Hospital do Sal, no Hotel Termas, na Penitenciaria Mário Negócio, e tantas outras mais.
Não lembro de ter visto Vintg-un na Biblioteca Municipal na-queles meus tempos de adolescente, mas lá estava o seu espírito, a sua presença benfazeja, através dos milhares de livros que juntamente com outros valorosos companheiros amealhara nos momentos iniciais da sua formação.
Como exemplo do que pode uma biblioteca quero dizer que foi ali que menino pobre dos Paredões, apaixonei-me pelos livros. Ao mesmo tempo em que ainda lia o Mundo para Crianças, tomei co-nhecimento do Homem Invisível de W.G Wells, das Mil e Uma Noi-tes, do jogo do xadrez, de Freud e da Psicanálise, dos dicionários e enciclopédias. Ali, aprendi as primeiras noções de cálculo integral fascinado pela abstração representada por aquele “S” mau feito, como o prof. Vintg-un de forma brincalhona viria a chamar o símbolo de integração, durante suas aulas na ESAM. Num velho material datilo-grafado, fruto da pesquisa de Francisco Fausto de Sousa sobre a famí-lia Camboa, fiquei sabendo que pelos Filgueiras descendia daquela gens, dando os primeiros passos nos estudos genealógicos. Velhas paixões a que me mantenho fiel até hoje e tudo isso pela construção de uma biblioteca em 1948. Quantos não terão feito viagem semelhante tal a força do livro.
Dez anos depois daquele primeiro contato cheguei a ESAM. Derivando de um curso de Contabilidade na União Caixeiral para a área científica, sem cursinho preparatório, confiando na velha biblio-teca municipal e em livros emprestados, transpus o pórtico dos fósseis de 90 milhões de anos . Aproximei-me então do gigante Vingt-un Rosado, do baobá sob cujas sombras reconfortantes se abrigava aquela escola. Ali conheci as virtudes deste que recepciono com alegria nesta noite: modéstia, moderação, determinação, diria mesmo teimosia, e sobretudo a capacidade de ação. Fui seu aluno de Cálculo I, depois professor naquela instituição, adversário em determinados instantes da política universitária e seu assessor administrativo. Fruto de mais um dos seus sonhos, a ESAM, talvez tenha sido onde mais tenha colhido ingratidão. Essa escola de agricultura, porem, que considero a menina dos olhos da cidade, é uma realização de tal magnitude que permane-cerá sempre acima de todas as diatribes e problemas que lhe surjam pela frente.
Na ESAM pude conhecer bem de perto todo o seu esforço pe-la cultura. A batalha cotidiana por recursos para a publicação dos li-vros da Coleção Mossoroense, a formação da Academia Mossoroense de Letras, da Academia Norteriograndense de Ciências, da União Brasileira de Escritores- Núcleo de Mossoró e tantas outras iniciativas culturais.
Por todas essas realizações e pela sua produção intelectual, i-niciada com a primeira história escrita sobre a nossa cidade, tem me-recido o prof. Vingt-un Rosado as honras que nós, seus filhos espiritu-ais, lhe temos tributado ao longo do tempo.
Nesta noite, porem, quero recepcioná-lo neste Templo Sagra-do e com este curto discurso, pelas virtudes do coração, pois como dizia o apóstolo: “ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, se não tivesse amor nada seria”.
Contudo, esse Vingt-un não se mostra senão nas entrelinhas de suas ações, já que por modéstia sempre procurou ocultar essa ver-tente mais doce de sua alma, tal como agiu quando socorreu seu cole-ga de turma “vovô”, obrigado pelas vicissitudes da vida a deixar o curso de Agronomia na ESAL. Vingt-un continuou financiando-o com a condição única de não dizer a ninguém.
Assim, é a esse homem sensível que quero homenagear nesta noite. Que se compadece de uma palmeira imperial levando Câmara Cascudo a dizer em 1979 a Raimundo Nonato que ”A página de bele-za psicológica mais penetrante, sedativa, cicatrizante que li este ano, foi a carta de Vingt-un anunciando a morte da Palmeira Imperial plan-tada por você em 1953 e assassinada em Mossoró pelo espírito do progresso sem vísceras”. O registro é feito por Raimundo Soares de Brito no livro Apostilha do Afeto, consignando-se na sua página 68, o encontro desses quatro gigantes da cultura norteriograndense, num momento de ternura em torno da palmeira morta. Esta sensibilidade de ecologista permanece viva ainda hoje quando Vingt-un arregimenta esforços para a formação de bosques urbanos, com ou sem palmeira imperial, que seriam espalhados por toda Mossoró, cidade para a qual um dia desejou realizar mil obras.
Quero enaltecer e agradecer ao homem que um dia convidou-me à sua residência, para que conhecesse o cientista de renome nacio-nal e internacional Rômulo Argentiere, discípulo de Madame Curie, amigo de Einstein que exilado de São Paulo morava numa casa hu-milde em Carnaúba dos Dantas, canceroso, abandonado pela família e que o professor Vingt-un, praticamente o tomara aos seus cuidados ao saber de sua situação de penúria, envidando todos os esforços para socorre-lo nos seus últimos dias de vida.
Quero lembrar daquele eterno soldado padioleiro nº 494, hoje soldado da cultura. Segundo Osvaldo Lamartine, seu contemporâneo na ESAL, ao serem convocados para a Guerra todos se preocupavam em aperfeiçoar a pontaria, Vingt-un pensou antes nos que iam levar os tiros “e de lá para cá nunca mais soltou os punhos da padiola, voluntá-rio carregador dos sonhos e problemas de nossa terra”.
Deixem-me dizer que também estive em Lavras do Funil, também estudei na sua querida ESAL. Como tantos outros seus discí-pulos da ESAM, lá fiz minha pós-graduação. Também gozei da beleza dos Ipês Roxos, Brancos e Amarelos, conheci o Ponto Zero, caminho da escola, uma baixada próximo ao Instituto Gammon, local conside-rado o mais frio da cidade. Lá tive a prova do que ouvira sobre a pro-verbial bondade desinteressada do prof. Vingt-un. O taxista, ao saber que éramos da terra do vinte e um, espontaneamente declarou que ele nos tempos de estudante, nos períodos de frio intenso, contratava os seus serviços para distribuir cobertores pela cidade a todos os necessi-tados que encontravam, pobres e mendigos, aquecendo-os com esse gesto magnânimo.
É a este homem essencialmente bom que quero parabenizar e dizer obrigado pelos seus 84 anos. Não apenas por ter atingido marca tão respeitável, mas principalmente pelo que deles fez. Quero neste momento, simbolicamente devolver o aperto de mão de quarenta anos atrás, agora envergando honradamente trajes maçônicos, saudando-o com votos de que continue o trajeto de suas aspirações maiores.

Muito Obrigado

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